Trabalhei com um gerente que durante a infância morou alguns anos na França, acompanhando o pai que foi fazer doutorado em inteligência artificial. Ele foi um dos pioneiros na área no Brasil e queria ter ido para União Soviética, mas diante da ameaça de abandono por parte de sua mulher, escolheu um lugar menos frio.
Comunista e ateu da ponta do cabelo ao dedão do pé, já de volta ao país e com um câncer em estado terminal, começou a freqüentar, por orientação da família, um centro de umbanda do Caboclo Pena Branca. Ficou tão impressionado com o tratamento que disse, pouco antes de morrer:
- Deus eu continuo achando que não existe, mas que o Caboclo Pena Branca existe, existe!
Esse foi o único relato sobre espiritismo que levei a sério. Veio de um cientista extremamente racional, que passou a vida inteira estudando o comunismo e as ciências da computação. Já ouvi muitas outras histórias de pessoas próximas, mas todos sem critério, amigos ingênuos e possuidores de diversas outras crenças que não considero reais.
Por isso estava curioso em saber como realmente funcionava essas giras da umbanda, fiquei só esperando a oportunidade em conhecer e ter minha própria experiência. Queria saber se ouviria algo que nunca contei para ninguém, segredos íntimos nunca revelados e dúvidas pelas quais realmente estou passando, conselhos diretos e sem rodeios.
Sábado passado foi o dia. Fui num "terreiro" aqui mesmo na Ilha do Governador. Não era um terreiro de fato porque funcionava no terraço coberto de uma casa, mas exercia as mesmas funções. Ao chegar você escolhe o caboclo com o qual vai se consultar. Neste momento veio minha primeira desconfiança. As pessoas com as quais fui ao centro me indicavam os mediuns que, segundo elas, eram bons, e não indicavam o caboclo. Se você vai se consultar com uma entidade, se ela realmente ela é um espírito que existe em um outro plano e baixa nas pessoas quando convocado, deveria ser o mesmo independente do medium que o recebe. Uma das minhas amigas nem sabia o nome do caboclo com quem iríamos conversar, mesmo freqüentando o lugar há anos.
Depois de aproximadamente uma hora e meia de ritual, com diversos Orixás sendo invocados, começam a baixar os caboclos para iniciar as consultas. Já estudei teatro, assisto peças todos os meses e me sinto a vontade para fazer críticas a atores e espetáculos. Depois que os mediuns estão em transe, nenhum deles consegue segurar o personagem o tempo inteiro. É visível quando eles deixam de ser caboclo, mesmo que por apenas alguns segundos.
Quando chegou minha vez, recebi o passe e várias baforadas de charuto. O caboclo começou a falar, mas caboclo fala caboclês. Não consegui entender sua primeira pergunta, usava palavras e um sotaque que para mim eram incompreensíveis. Depois de pedir várias vezes para ele repetir, vi que meu esforço era inútil e resolvi abstrair. Respondi que não sabia a resposta para a pergunta e era por isso que lá estava. O medium pegou minhas mãos e falou que eu estava diante de dois caminhos e que não poderia seguir pelos dois, teria que escolher um. Quis saber como eu conseguiria escolher o certo e fui orientado a acender uma vela para meu anjo da guarda, que me guiaria nessa escolha. Mais baforadas e terminou a consulta.
Para mim foi muito claro o que aconteceu. O medium, assim como acontece nas consultas com cartomantes e congêneres, faz afirmações vagas e que servem para qualquer pessoa. Eu tenho dois caminhos para seguir e tenho que escolher um deles é vago demais, posso atribuir qualquer significado: dois cursos que quero fazer, duas opções de carreira, duas mulheres que tenho algum interesse, duas coisas que tenho que comprar mas só tenho dinheiro para comprar uma entre muitos outros.
Tenho um amigo que faz trotes em um programa na Rádio Intertop. Ele liga para algumas pessoas com informações básicas e consegue arrancar informações valiosas sobre elas, utilizadas, obviamente, no trote. É desta forma centenas de pessoas caem nesses falsos seqüestros por telefone e acreditam em videntes.
Recomendo muito a leitura do texto que escrevi que explica como funciona a vidência, com link para a série de reportagens do Fantástico intitulada Operação Bola de Cristal. Explica também o conceito de falsa memória.
Muito bom, Norton, vc é o sherlock holmes encarnado no Lenny Bruce, nascido nessa ilha, microcosmo da brasilidade ! Fico feliz de ser seu amigo, a gente tem que se ver mais, kareka toda segunda, 20:30h se não chover...
ResponderExcluirMas lembre-se que toda profissão, a de vidente incluída, tem seus mestres originais, copiados ad infinitum..... Já trilhei os caminhos do raciocínio lógico, da evidência científica, e cheguei bem perto do teu mestre comunista francês.
Pq no final sempre fica a dúvida, é dela que sobrevivemos.
Deixo uma historinha
Uma vez conversavam um grande astronauta e um emérito cirurgião cerebral. já aposentados, analisando dúvidas existenciais.
- Sabe, diz o astronauta, já fui ao espaço e não vi nada parecido com Deus, anjos, almas, paraíso.
- concidência, diz o cirurgião, eu já abri centenas de cérebros vivos, e nunca vi um só pensamento.
VLW !!
Valeu Gógol,
ResponderExcluirRealmente precisamos nos encontrar mais. Essa história de Kareka toda segunda é sério? Não tenho problema algum quanto a isso.
Um dia vou experimentar novamente essa história de videntes, caboclos e pretos velhos, essa só foi minha primeira tentativa. A quantidade de gente que conheço que acredita fielmente nessas coisas é absurda, e todo mundo fala que a maioria é feita não por enganadores, mas por pessoas ingênuas que realmente acreditam nisso, e que existem, mesmo, alguns que possuem a vidência.
Ótimo "causo", já tinha ouvido.
Abraços.