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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Arte e artesanato

Outro dia, fazendo um esquenta num botequim antes de entrar numa festa infantil, conversava com uma amiga sobre os enfeites confeccionados pela mãe da aniversariante. Um trabalho primoroso, feito com muita atenção, o que fez com que minha interlocutora dissesse se tratar de obras de arte. Chato do jeito que sou, resolvi explicar a diferença entre arte e artesanato: a arte cria peças únicas, enquanto o artesanato reproduz dezenas, centenas de vezes a mesma peça. Assim sendo, os enfeites, por mais bem feitos, eram artesanato.

Não fiz julgamento de valor, mas minha amiga ficou bem chateada comigo, achando que eu tinha desvalorizado o trabalho alheio. Em nenhum momento disse que o artesanato é menos importante ou requer menos capacidade intelectual de criação, mas, sem perceber, ela acabou expondo sua escala de valores na qual o artesanato é inferior à arte. Ambas as manifestações são importantes para a sociedade, em igual medida, mas existem diferenças entre elas, e foram estas diferenças que quis explicar.

Continuando a conversa, falamos sobre novela, que segundo minha opinião é uma forma de entretenimento, e para minha amiga é arte. Infelizmente não tive tempo de explicar os motivos, coisa que faço aqui.


A arte sempre apresenta algo novo e atualmente as novelas são repetições de uma mesma fórmula. Quantas terminam com o vilão morrendo, preso ou morto no final? Quantos casais só conseguem ficar juntos no último capítulo, depois de comer o pão que o diabo amassou durante toda a trama? Quantos se apaixonam e depois descobrem que são irmãos? Quantas mães que perderam seus filhos ainda pequenos descobrem que o rebento sumido estava ao lado dela o tempo todo? E assassinatos cujo autor só é revelado no final? Homem pobre que se apaixona por mulher rica e vice versa, contra a vontade da família? Poderia dar muitos outros exemplos, mas o fato é que as novelas, atualmente, não apresentam nada novo, nada contestador, e a arte é contestatória por natureza.

Pesquisas de mercado são feitas durante toda exibição da novela, e os resultados são utilizados na condução da trama em busca de maior audiência. É claro que em alguns momentos podemos assistir a arte se manifestar, como na interpretação de determinado ator ou num trecho do texto no qual o autor realmente faz um questionamento pertinente, mas, no conjunto da obra, a novela é feita num processo industrial e cujo objetivo é o entretenimento.

A mesma coisa acontece com a literatura. Nem todo livro escrito pode ser considerado uma obra de arte. Existe um termo que uso chamado "artesanato literário", que são romances que, assim como as novelas de hoje, são reproduções de fórmulas já testadas. Não estou falando da jornada do herói citada por  Joseph Campbell, que enquadra toda narrativa nas doze etapas que o protagonista precisa enfrentar, mas a arte precisa de algo novo, um questionamento que nunca foi feito, uma estética, um ponto de vista novo.

O livro 1984, de George Orwell, retrata um futuro distópico (foi publicado em 1949) controlado por uma ditadura. Neste mundo, dentro do Ministério da Verdade, existe o Departamento de Ficção, responsável pela criação dos filmes, revistas, livros e demais produtos culturais para a massa. Os romances são montados numa máquina, que assim como num caleidoscópio, apresenta uma nova história apenas juntando pedaços oriundos de um banco de dados com trechos já aprovados. Isso tudo acontece com o apertar de um botão. Por mais absurda que pareça esta técnica, é algo possível de ser feito. O resultado deste processo, obviamente, não pode ser considerado arte.

É isso, existe uma diferença entre arte e artesanato, mas ambas são igualmente importantes, nenhuma é melhor que a outra.

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