- Mijar no trem é malandragem. Não coloca o corpo todo para fora não senão você cai. Mija pra lá, o vento tá pra lá. Agora me dá a mochila e vai.
E foi depois de receber estas instruções que, usando um dos pés como calço, me encaixei entre as portas do trem, mantidas abertas a poucos centímetros uma da outra por dois passageiros, com metade do corpo para fora da composição em movimento, abri a braguilha com a mão esquerda, já que a direita estava para dentro segurando um copo de cerveja, e comecei a urinar. Demorou um pouco para sair, normal em momentos de tensão, mas a vontade era tanta que me submeti a esta situação e consegui, enfim, me aliviar.
Demorei um pouco para terminar e estava preocupado com a possibilidade do trem parar e me deixar, literalmente, com o pau na mão na estação, mas felizmente isso não aconteceu.
O samba comia solto no ramal Paracambi e havia fila na porta que era utilizada como mictório pelos passageiros. As mulheres, depois soube, também se aliviavam no trem, mas lá dentro mesmo, protegida por amigas que faziam às vezes de parede.
Samba no trem |
Minha namorada é antropóloga e a acompanhei até a Central do Brasil durante uma de suas saídas para pesquisa etnográfica. A ideia inicial era filmar uma baiana de acarajé que organiza uma gira de macumba às sextas. Gravar com um celular naquela região não é atividade para iniciantes, requer todo um jogo de cintura já que o local é palco de diversas atividades ilícitas. É preciso ficar atento aos olhares dos personagens que habitam aquele ambiente e tomar a iniciativa para explicar o motivo da gravação. Depois informar que era para uma pesquisa de doutorado, que não éramos jornalistas, ganhávamos a simpatia das pessoas e abertura para conversa.
Foi para dar uma dessas explicações que paramos em um grupo de trabalhadores que bebiam cerveja depois de uma semana de trabalho. Ouvimos e demos muitas gargalhadas com as histórias que nos foram contadas. Minha namorada diz que a Central é a maior encruzilhada do Rio, afirmação com a qual concordo.
Começamos a beber com eles, outros foram chegando e descobrimos que alguns são músicos amadores e que toda sexta realizam um pagode no trem. Fomos convidados e obviamente aceitamos. Depois de encher um grande saco com cerveja e gelo, entramos em uma composição que, por causa do evento, me parecia mais cheia que as outras. Uma pequena roda é organizada no meio e a música começa tão logo as portas fecham.
O Antônio (nome fictício), que desde o início nos ciceroneou, vez por outra explicava as regras de funcionamento do evento. Podia fumar, mas maconha e cocaína não. Homens, para urinar, tinham que se arriscar pendurados para fora. Às mulheres era permitido se aliviar dentro do trem, com ajuda de outras como proteção dos olhares curiosos. Apesar do ambiente descontraído, é comum a ação de punguistas que levam carteiras dos desprevenidos. Então, um olho no samba e outro nos seus pertences. Uma senhora que tinha respeito dos demais, cigarro numa mão e cerveja na outra, ficava sentada vigiando as mochilas.
Os bancos serviam como camarote, com as mulheres mais novas sambando em cima deles. Não contei, mas a viagem durou mais de uma hora. O pagode costuma acabar em Nova Iguaçu, mas quando fica muito animado segue até Queimados e parte dos integrantes pega o trem de volta. Foi o que aconteceu naquele dia.
Foram muitos os personagens que conhecemos, muitas as histórias que ouvimos. Material suficiente para muitas postagens ou para uma tese de doutorado. Estaremos de volta na próxima sexta, no legítimo trem do samba.
Vídeo gravado na ocasião
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