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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Como unir minha paixão pelo carnaval com o financiamento do tráfico, milícia, corrupção e sangue de pobres africanos?

A primeira vez que assisti um ensaio da União da Ilha eu chorei. O que me encantou foi ver toda aquela gente cantando um amor pela comunidade de um jeito como eu nunca tinha visto. Uma experiência tardia, estava chegando aos 30 anos, mas suficientemente forte para fazer com que eu quisesse participar daquilo.

Me considero um ativista do espaço público. Trabalho para que as ruas sejam ocupadas pela população através da bicicleta e de atividades culturais. Tento contribuir de alguma forma para o fortalecimento da vida comunitária em detrimento do individualismo e o carnaval é uma resistência ao individualismo.

Bloco Prata Preta, mais um exemplo de união

Luiz Antônio Simas escreveu que "escola de samba é experiência cotidiana de criação e fortalecimento de laços comunitários. Desfile é um detalhe que pode dar certo ou não". Antes dele, Roberto DaMatta também já escrevia sobre este fenômeno e é esta parte do carnaval que me interessa: o exercício da vida em comunidade que vem sendo cada vez mais esmagado pelo capitalismo.

Eu não consigo não me emocionar e chorar com minha União da Ilha, e só vou deixar de fazer isso no dia em que morrer, mas confesso que o recente financiamento da Beija-Flor por um ditador me deixou incomodado, me colocou em dissonância cognitiva que eu precisava resolver de alguma forma.

Se hoje temos um dos maiores espetáculos do mundo, agradeça à contravenção. Foi o que disse o Neguinho da Beija-Flor. Jogo do Bicho, tráfico, milícias, governos corruptos, é isso que faz a festa. Diante deste quadro, como unir meu amor à comunidade com o crime que extorque e tira vidas? Como unir minha paixão pelo carnaval com o dinheiro sujo de sangue de um ditador africano? Procurei muito achar motivos que me deixassem tranquilo em aceitar o financiamento do tráfico brasileiro e repudiar o dinheiro da Guiné. Até achei alguns, como ser a favor da legalização das drogas e do jogo do bicho e contra governos como o de Teodor, por exemplo. Mas quer saber? Foda-se! Vou assumir minha condição humana e contraditória e conviver com isso. Ansioso para o carnaval de 2016.

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