Por algum motivo, o ser humano sempre busca a coerência, agir conforme suas convicções éticas e morais. Entretanto, diariamente realizamos ações que não estão em harmonia com nossas crenças ou temos opiniões contraditórias ao mesmo tempo. Quando isso acontece, enfrentamos um desconforto psicológico chamado dissonância cognitiva. Um exemplo:
Você está de dieta e passa naquele maldito corredor das Lojas Americanas. Pega um chocolate e olha para ele babando. Dois pensamentos passam pela sua cabeça: 1) não posso comer, preciso perder peso e levar uma vida mais saudável; 2) só um chocolatinho não vai fazer mal nenhum, né?
Essa situação gera um incômodo e você precisa resolver a questão. Basicamente existem duas opções: manter firme suas convicções para emagrecer e não realizar a compra ou comer o doce e inventar justificativas que apoiem essa decisão.
Circunstâncias parecidas acontecem todo o tempo: quando damos um jeitinho para escapar de uma punição, mesmo quando acreditamos que qualquer tipo de corrupção é condenável (colar numa prova ou subornar um guarda), quando compramos um bem e depois percebemos que não valia a quantia paga, não querendo ir à academia ou ao término de um relacionamento amoroso.
É uma ocorrência natural, lidamos com isso o tempo todo e estamos sempre tentando reduzir o estresse que esses casos geram. Podem durar alguns poucos segundo ou anos.
Vegetarianismo como fator gerador de dissonância cognitiva
Há aproximadamente seis meses tenho feito uma experiência com meu corpo. Reduzi a ingestão de carne e comecei a pesquisar mais sobre os impactos do consumo da proteína animal no meio ambiente e na alimentação mundial.
A criação de gado emite mais gases do efeito estufa na atmosfera do que todos os meios de transportes juntos. Consome uma quantidade absurda de água, é responsável por boa parte do desmatamento de florestas e pelo genocídio de populações tradicionais. Existem vários motivos que levam pessoas a virarem vegetarianas, como questões ligadas à saúde, crueldade com animais ou religião, mas a questão ambiental foi a única que me motivou.
Assisti alguns documentários radicais que mostravam esses dados e pregavam a suspensão imediata do consumo de qualquer produto de origem animal como forma de preservar o planeta. Mas também ouvi opiniões de outras pessoas que me mostravam pontos de vista diversos.
Adoro comer e adoro carne, é um alimento saudável e apontado por diversos cientistas como responsável pelo surgimento do homo sapiens. É claro que com hormônios e aditivos não são recomendadas, assim como vegetais com agrotóxicos.
Fiquei divido entre esses dois pensamentos antagônicos: não comer e ajudar na preservação do planeta ou continuar comendo e encontrar justificativas que não associassem o desmatamento e o efeito estufa à agropecuária.
Vários caminhos levam ao mesmo lugar
Será mesmo que a única forma de preservar o planeta é deixando de consumir produtos de origem animal? É impossível levar uma vida sustentável consumindo carne?
A resposta é não. É viável, sim, garantir um ambiente saudável sem abrir mão da proteína animal. Para isso é preciso mexer na base de produção capitalista, objetivo tão distante quanto tentar convencer todas as pessoas do mundo a virarem veganas.
O steak tartare do Bar Lagoa é um monumento à gastronomia carioca. Dizem que a carne é moída na faca (fonte da imagem) |
Para isso, precisamos:
- Reduzir a população mundial: esse processo passa pelo planejamento familiar e legalização do aborto. O empoderamento das mulheres pode salvar o mundo;
- Consumir produtos da agricultura e pecuária local e familiar: o agronegócio é o grande inimigo. A produção em larga escala para exportação são os responsáveis pelo desmatamento. São as pequenas propriedades que produzem a maior parte dos alimentos;
- Maior controle dos transgênicos e patentes de seres vivos: além de pesquisas mais profundas sobre seus impactos na saúde e no ambiente, é importante não permitir a patente e controle das sementes como tem sido feito atualmente;
- Redução de consumo: não apenas de produtos animais, mas de todos os produtos. O consumismo atinge níveis estratosféricos, e a produção de coisas inúteis esgota os recursos naturais;
- Promover a geração de energia limpa e reduzir a dependência de petróleo e seus derivados;
- Além de outras ações, como prédios verdes, reciclagem, incentivo de fazendas urbanas, eficiência energética, redução do uso de pesticidas, cidades planejadas de forma a privilegiar o transporte ativo e o público e redução do desperdício.
Muita gente pode acreditar que inventei essas desculpas para poder comer carne sem peso na consciência. Talvez seja, mas esse processo me fez refletir bastante sobre como nos alimentamos e sobre nossa relação com a terra.
Achar que não comer animais é a única forma de salvar o planeta é uma visão reduzida do problema. Claro que os ativistas pelo veganismo também lutam nas causas sitadas acima, mas acredito que o desenvolvimento sustentável pode caminhar ao lado da agropecuária.
Acho que encerro aqui a série de textos sobre essa minha experiência alimentar. Continuarei não colocando bichos no prato nas minhas escolhas individuais, mas num bar com amigos comerei a mesma comida que todos, já que não existe comunhão maior entre seres humanos do que dividir o alimento e a mesa.
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